sábado, 5 de janeiro de 2008

A propósito de ... O Deus das Moscas

Ainda que William Golding não seja considerado um escritor de “romances de guerra” é, no entanto indiscutível a presença bélica como “pano de fundo” em muitas das suas obras, sendo O Deus das Moscas uma delas. Na verdade, a guerra levou Golding a pôr em causa uma visão optimista, científica e racionalista do mundo que lhe fora transmitida pelo seu pai.

Deste modo, podemos considerar O Deus das Moscas um romance distópico (anti-utópico) devido ao seu pessimismo inerente. Pois, apesar da eleição de Rafael como líder e das frequentes reuniões simbolicamente anunciadas pelo chamamento autoritário do búzio, as várias tentativas de recrear a “civilização” dissipam-se rapidamente.
Jack, o rapaz responsável pela caça, logo assume o domínio dos outros rapazes, ao tirar proveito dos receios e superstições destes em relação à “fera”. Jack acaba mesmo por deixar o grupo de Rafael e levar consigo a maioria dos outros rapazes. Quando Simão, um jovem visionário, chega à conclusão que a “fera” se trata afinal de um paraquedista morto e tenta alertar o resto do grupo, a “tribo” de Jack mata-o numa espécie de cerimónia ritualística.
Por sua vez o Bucha, o primeiro das muitas figuras racionalistas de Golding, é assassinado por Rogério, o tenente de Jack, enquanto segurava pateticamente o búzio que representa a sua crença na civilização levada até às últimas consequências.
O Deus das Moscas é normalmente interpretado como o comentário de Golding sobre a maldade humana. Reconhecido pela sua “intertextualidade” (isto é, as várias relações que um texto apresenta em relação a um outro), O Deus das Moscas é uma “re-escrita” crítica da visão imperialista vitoriana d’ A Ilha de Coral de R. M. Ballantyne (1858).
Deste modo, o pessimismo de Golding substitui o optimismo imperialista vitoriano de Ballantyne. Em A Ilha de Coral o mal encontra-se separado dos rapazes ingleses, residindo nos selvagens e canibais. Em O Deus das Moscas um dos rapzes afirma: “No fim das contas, nós não somos selvagens. Somos ingleses e os ingleses são os melhores em tudo.” Contudo, Golding, ao longo do romance, leva-nos a crer que o mal é provavelmente inerente à humanidade - incluindo os ingleses - e que o mal que vem de fora é uma projecção do mal que está dentro de cada um de nós.
As personagens de Golding servem para representar os diferentes pontos de vista referentes à natureza do mal. Para o Bucha o mal não existe, apenas pessoas que se comportam de um modo irracional; para Jack o mal reside fora da humanidade e tem que ser mitigado através de sacrifícios; para Simão, o mal expressa-se através do Deus das Moscas – encontra-se na própria humanidade.
Golding não pretende neste romance examinar a natureza idiossincrática dos rapazes em geral, mas sim a essência da própria humanidade. A ilha transforma-se num microcosmos do mundo dos adultos que se encontra em processo (contínuo) de auto-destruição.

Simbolismo em O Deus das Moscas

Objectos/Personagens – representam:
Bucha (e os óculos) – Clareza de pensamento, inteligência. Ordem social.
Rafael (o búzio) – Democracia, ordem
Simão – Pureza, bondade, “Imagem de Cristo"
Rogério – Maldade, Satanás
Jack – Selvagem, anarquia
A Ilha – Um microcosmos que representa o mundo
A "Cicatriz" – Destruição do Homem, forças destruidoras
A Fera – O mal que reside em todos nós, o lado negro da natureza humana.
O Deus das Moscas – O Diabo, grande perigo ou maldade
Temas
Tema Principal:
Ideia que sem as regras da sociedade a anarquia e o lado selvagem do ser humano prevalece. É a vida em sociedade que nos faz distinguir o bom do mau. Sem os valores civilizacionais perde-se o sentido da moral.
Temas Secundários:
O ser humano irá sempre abusar do poder quando este não é ganho.
Se lhe fôr possível, o ser humano é capaz de “sacrificar” o próximo para manter a sua própria segurança.
O lado selvagem de cada um de nós acaba sempre por vir ao de cima, se a situação assim o permitir.
Mais vale avaliar as consequências de uma decisão antes de a tomar do que descobri-las depois.
O medo do desconhecido pode ser uma força poderosa que pode levar ao auto-conhecimento ou a um sentimento de histeria.


Cristina Collier

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A propósito de... A Sombra do Vento


A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón é acima de tudo um romance inesquecível, porque mais do que ser um livro que conta uma história é um livro que conta as histórias de uma história. E consegue-o de uma maneira sublime, prendendo a atenção do leitor desde a primeira página.

Há algo perfeitamente encantador na maneira, quase à moda antiga, como o autor consegue conceber uma multiplicidade de personagens que se cruzam e se movem num ambiente que nos faz lembrar as obras de Dickens, e nos recorda os contornos de um romance gótico vitoriano.
Com temas universais como o amor, o ódio, a amizade, a guerra e o passado, este romance é, acima de tudo, um hino à leitura e ao poder dos livros e da imaginação.
Podemos adorá-lo ou detestá-lo, mas, decididamente, A Sombra do Vento não deixa ninguém indiferente.

C. Collier

A propósito de ... Nenhum Olhar

Um dos últimos livros abordados num dos encontros do Clube de Leitores de Lagos foi o romance Nenhum Olhar de José Luís Peixoto.

Natural de Galveias, concelho de Ponte de Sôr (Portalegre) e licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e Alemão) pela Universidade Nova de Lisboa, este autor de apenas 30 anos já publicou três obras de ficção e duas de poesia, encontrando-se de momento a terminar o seu último romance. Foi o vencedor do Prémio “Jovens Criadores” do Instituto Português da Juventude nos anos de 1998 e 2000 e ainda do Prémio José Saramago, da Fundação Círculo de Leitores em 2001.
Aclamado pelo público e sempre bem recebido pela crítica, José Luís Peixoto é de facto um caso sério de sucesso literário no panorama português e uma referência a nível internacional, tendo sido o primeiro autor português convidado para a residência na Ledig House, em Nova Iorque.
Questiono-me, no entanto, como leitora, a que se deve esta popularidade, tendo em especial atenção a última obra ficcional do autor - Nenhum Olhar.
Este é sem dúvida um livro inovador que marca decididamente um novo movimento de escrita do qual decorre toda a narrativa, basta lermos as primeiras linhas e estamos num ambiente inédito do espaço literário. No entanto, gostaria de examinar mais detalhadamente a questão do leitor e quais as suas motivações em relação a este livro, tendo em consideração uma determinada figura ou procedimento retórico.
Irei então abordar a figura da antilogia tendo em conta três etapas distintas: o acolhimento de uma obra literária, a sua leitura e o prazer que dela se retira.
Parece-me que, em regra geral, o leitor espera do seu escritor a oferenda do prazer do texto, da escrita, da leitura; lê-se um livro na busca de tranquilidade ou apaziguamento, acção ou aventura, divertimento ou entretenimento. Contudo, a meu ver, não lemos o livro Nenhum Olhar em estado de repouso mas de sobressalto, não nos deixamos embrenhar na obra tranquilamente mas de forma inquieta e tensa.
Como explicar então a atracção e o interesse por este romance tão pouco convencional? É que Nenhum Olhar torna-se um livro fascinante porque incomoda (e vice-versa), não porque dele tiramos prazer mas porque abrange uma poética de ambivalênica e dá lugar a uma “estética do desprazer”.
Deparamo-nos com um universo disfigurado, caótico, delirante, em que não importa mostrar a realidade como ela é mas transfigurá-la esteticamente e torná-la simbólica elevando-a deste modo a um nível universal. As personagens perturbam e desorientam dificultando a empatia e assumindo características fantásticas e do maravilhoso.
José Luís Peixoto constrói neste romance uma narrativa diferente e cria um estilo novo que, em síntese, pode ser assim definido: a existência de uma multiplicidade de narradores, originando uma multiplicidade de vozes que faz lembrar o estilo de Lobo Antunes, apresenta as várias perspectives de uma ideia ou acontecimento e sugere, deste modo, sempre uma alternativa. Esta nao é, no entanto, partilhada nem discutida entre os vários narradores já que estes limitam-se a ficar ao nível do pensamento e não comunicam entre si, não expôem os seus pontos de vista, tentam infrutiferamente falar através de um olhar, mas raras são as vezes em que o acto de comunicação acontece e acaba por ter lugar a resignação e o silêncio a que Nenhum Olhar (cor)responde. O uso constante da repetição e reiteramento através da enunciação de pensamentos ou de uma voz mítica (a voz da arca) que percorrem todo o livro e funcionam quase como máximas de vida, verdades universais, tornam o ambiente do romance ainda mais claustrofóbico e opressivo.
E nós leitores somos apanhados nesse labirinto de emocões oprimidas e silenciadas que dão voz aos nossos medos e receios mais recônditos. É o lado da noite, do obscuro que ofusca o sol incandescente do Alentejo e para o qual, tal como neste romance, não conseguimos desviar o olhar, acabando por ficarmos presos na atracção pelo abismo, de olhos postos em Nenhum Olhar.

Cristina Collier

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A propósito de... O Paraíso na Outra Esquina

Mário Vargas Llosa nasceu no Perú, em Arequipa, a 28 de Março de 1936. Ao longo da sua vida tem exercido as actividades de jornalista, escritor, político, crítico literário e professor. No seu ultimo livro, “O Paraíso na Outra Esquina” (Editora Dom Quixote), estabelece alternadamente, capítulo a capítulo, um paralelismo entre a vida de Flora Tristan e o seu neto, Paul Gaugin, duas figuras do século XIX que tinham em comum a busca do paraíso.

Revolucionária acérrima, cheia de truques e determines, Flora lutou pela emancipação da mulher, pelo direito ao trabalho, condenou veemente a prostituição e o trabalho infantile, defendendo o direito à educação, à família e à igualdade de salários. Para Flora, o paraíso seria uma sociedade equilibrada entre o masculino e o feminino.
Por outro lado, Paul Gauging (Koke), iniciado na pintura por volta dos trinta anos, levando uma existência conflituosa e conturbada, rompe com todas as egras sociais (casamento, filhos, emprego) e procura o seu paraíso, um mundo primitivo, virgem, sem regras, onde se permita tudo - Tahiti. Mas mesmo aqua enfrenta a desilusão: a busca pela obra-prima, a doença, os fracos recursos, fazendo lembrar o jogo infantil o paraíso na outa esquina.
Um livro a não perder, uma pintura realista de uma mulher pioneira na luta por um paraíso social e a utopia do seu neto na busca inglória de um paraíso individual.

Soledade

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A propósito de ... A Descoberta do Mundo


Trata-se de um texto fascinante, constituído por um conjunto de contos, de pequenas histórias de grande qualidade.
Ao todo são vinte e oito pequenas maravilhas, que fazem as delícias de qualquer leitor e evidenciam a extraordinária sensibilidade da autora. Intuitiva perscrutadora da natureza íntima das coisas, em contraste com a sua atitude de indiferença perante o exterior, Clarice Lispector dá às coisas aparentemente insignificantes, uma importância máxima, pois que o seu olhar é “ para dentro…”
Destacamos os contos “Cem anos de Perdão”,”Tortura e Glória”,”A descoberta do Mundo”,”Travessuras de uma menina”, lidos e comentados na nossa comunidade de leitores.
A escritora Clarice Lispector é considerada a maior escritora do século XX em língua Portuguesa.
Autobiográficas as palavras ditas pela personagem “menina pobre” no conto “Tortura e Glória”:… às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


Maria Antónia Vargas

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

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